
Por que uma salva de palmas? Três Enterros, oras. Precisa Mais? Tommy Lee Jones interpretou e dirigiu um dos mais belos exemplares cinematográficos sobre amizade, tolerância sócio-política e, até este momento, o melhor filme que vi no cinema este ano. Agora que acabou de sair em DVD pude revê-lo e confirmar mais uma vez a grandiosidade de Three Burials of Melquiades Estrada.
Tommy Lee com a ajuda do excelente roteiro de Guillermo Arriaga, numa montagem não-linear dividida de forma episódica pelos três enterros de Melquiades, faz um manifesto contra a proibição da entrada de mexicanos nos EUA, num discurso através das mais belas imagens que vi em muito tempo, mostra a importância da amizade verdadeira e sem fronteiras com os mexicanos, passando por momentos totalmente insanos por parte de sua personagem (Pete/Pedro), a qual uma frase de Mike (interpretado por Barry Pepper) define da melhor forma possível: “You’re crazy. You’re totally fucking crazy, man.” e segue enfrentando o mundo porque acredita numa fantasia onírica dos anseios de Melquíades (o que chamamos vulgarmente de mentira), mesmo assim segue fiel a sua inesgotável amizade. Mas acima de tudo é um filme sobre vingança, uma vingança pela fraternidade e redenção por todas as injustiças do mundo.
O hall de atuações é soberbo, além de Tommy Lee ser um grande poeta das imagens, demonstrou ser um estupendo diretor de atores, Barry Pepper está muito bem, o elenco todo é de encher as vísceras, mas tenho que frisar a atuação do velho cego interpretado por Levon Helm, protagonista de uma das mais fortes e dolorosas cenas que vi no cinema nos últimos anos, um momento impactante e extremo que nehuma palavra poderá descrever em sua totalidade. Além disso tudo, Mr Jones nunca esteve tão expressivo como ator, a expressão de dor e inconformismo em sua face é dilacerante (não por acaso ele ganhou a Palma em Cannes de melhor ator por esse papel no ano passado).
Muito se compara Três Enterros ao genial filme do não menos genial Sam Peckinpah: Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia, comparação a qual concordo prontamente, mas um outro filme que me vêm à cabeça é Os Imperdoáveis do meu sempre amado Clint Eastwood, mesmo porque o desfecho de Os Imperdoáveis me remete muito ao Alfredo Garcia. Eu diria que os tempos em que Clint mandou o Tommy literalmente para a lua (ao som do Frank, hein!) em Cowboys do Espaço foram muito produtivos para Mr Jones. Também não irei ocultar que notei certos “momentos Sergio Leone” em algumas cenas, especialmente na hora do assassinato de Melquiades, quando a seqüência se inicia como Era Uma Vez No Oeste (por acaso o meu filme preferido de todos os tempos) mostrando o cata-vento do poço (que na minha infância também era chamado de bomba de vento) ao som ambiente e continua com algo que me fez recordar imediatamente da chacina de Sweet Water, mas ao invés de nos depararmos com um Henry Fonda se aproximando faiscantemente mau, vemos um guarda da fronteira deveras assustado indo em direção da câmera. Isso sem falar em Peter/Pedro arrastando Mike pelos desertos mexicanos/texanos com o mesmo requinte de crueldade cômica que Tuco e Blondie dividiam em Três Homens em Conflito.
Quando atualmente você consegue ver um western à moda antiga como esse, atualizado, com influência de nomes como Leone e Peckinpah e ao mesmo tempo tão original, não há como não ter fé no enraizamento do grande diretor que Tommy Lee Jones se tornou. E que venham seus próximos filmes, que os aguardarei ansiosamente.
Nota 1: Na direção Mr Jones não tem nada certo ainda, mas ele estará provavelmente arrasando como ator nos próximos filmes dos irmãos Cohen e do Altman.
Nota 2: Guillermo Arriaga está, ao lado de Charlie Kaufman, no seleto grupo de roteiristas que hoje em dia tem mais notoriedade do que os próprios diretores. Essa notoriedade ele ganhou na sua parceria com González-Iñárritu por Amores Perros, 21 Gramas e no curta Powder Keg (que faz parte daquela que considero a melhor campanha publicitária já feita: da BMW com o Clive Owen como protagonista). Agora eles retomaram a parceria com Babel, mas este ainda não vi.
Nota 3:Além de chegar um ano atrasado aos nossos cinemas, meus olhos marejaram de lágrimas quando vi a situação paupérrima do DVD nacional de Três Enterros. Nem estou falando da total falta de extras num filme que merecia uma edição dupla com comentários de áudio e tudo mais, o problema é que veio em fullscreen, minha gente! FULLSCREEN!!! Se já é de cortar os pulsos qualquer filme em fullscreen imagine um western, imagine ESSE western. A falta de respeito das distribuidoras está mesmo de cortar o coração de qualquer um, por isso acho que não vou comprá-lo (sim, eu coleciono filmes, já tenho quase mil) e sim baixá-la da internet, pois as distribuidoras dos outros países não tendem a desrespeitar tão hediondamente uma obra. Uma lástima.
Nota 4: Uma das belíssimas músicas de Marco Beltrami para a trilha sonora de brinde
AQUI.
Anônimo 12:52 AM