OESCAMBAL
sexta-feira, setembro 29, 2006
Do dualismo

Quântica

A natureza em si, ou a natureza para a consciência que se tem dela,
O movimento na substância das coisas,
As coisas no movimento substantivo das formas,
As formas da consciência na percepção do fenômeno observável,
O observador como parte da observação, no observado,
O conhecimento aos saltos luminosos de massas e energias indesnudáveis,
Mas nuas no experimento fundador,
A orquestração de fórmulas perfeitas, acabadas, consistentes,
Belas em sua verdade abstratamente imperativa,
Sensivelmente intangível, empiricamente indemonstrável,
Dualidade de mundos, multiplicação de universos,
Dobraduras do tempo e do espaço,
Rugas infinitas do espaço-tempo!


Txaí

Termo usado pelos seringueiros, extraído da língua dos índios da tribo Kaxinawá, do Acre, que quer dizer: mais do que companheiro, minha metade em você. É o pedaço que trago de você, indelével dentro de mim

"Txai é quando sou o teu igual
Dou o que tenho de melhor
E guardo teu sinal
Lá onde a saudade vem contar
Tantas lembranças numa só
Todas metades todos inteiros
Todos se chamam Txai (...)
Txai onde achei coragem
De ser metade todo teu
Outra metade eu (...)"

(Milton Nascimento e Lô Broges)

ludelfuego 12:07 AM


terça-feira, setembro 26, 2006

Caio Ricardo Bona Moreira
NEM VAI DOER!
Mergulho no asfalto
Óleo sobre tela, 1,20 x 0,80
Acervo: família

Um jovem mergulha no asfalto de uma grande cidade. Os braços parecem estar colados no corpo, talvez para cortar o ar, dinamizando o salto. Quem vê o quadro, vê como quem vê o salto de uma vista privilegiada, do macadame próximo ao portão do prédio de dez andares.

Quem aprecia o quadro, hoje exposto numa das principais galerias de arte de São Paulo, não hesita em espantar-se com a cena: “parece real, apesar do estilo cubista”. E nem imagina a verdadeira história do jovem que o pintou.

Tudo começou quando ganhou dos avós um Curso de Desenho e Pintura, do Instituto Universal Brasileiro. A obsessão pela perfeição, ao invés de o levar ao paraíso da forma, levou-o ao inferno dos sonâmbulos. À medida que decifrava o método, aprimorando o traço de seu trabalho, estudava anatomia nos livros de medicina do irmão mais velho. Feito um pintor renascentista, almejava forjar um mundo real para tapar a sua própria irrealidade.

Os pais admiravam cada vez mais a capacidade do jovem. O gato vinha lamber o prato de leite pintado com tinta acrílica e corria assustado quando descobria o engano. Os admiradores afirmavam a precisão da cópia, porém o jovem pintor mergulhava numa angústia quando percebia que apenas o primeiro mundo é que tinha o poder o julgar o segundo mundo, sempre estranho ao primeiro. Seu mundo era só um simulacro sem sabor ou cheiro.

Quando percebeu que a realidade tinha se transformado numa outra coisa, impossível de ser entendida com base no esquema conceitual alimentado ao longo de sua vida, a arte suprema deixou de ser o objeto de seu desejo, pura representação, e passou a ser o seu próprio real. Tudo que já tinha começado a ser um problema despencou de vez. Achava que nunca mais conseguiria pintar com “clareza”. Incapaz de copiar um rosto sem recortá-lo, imaginou estar possuído, não pela vontade de destruir sua realidade, mas pela vontade de traí-la. Foi, então, que descobriu que era a realidade que imitava a arte. Seus quadros não eram frutos de seu talento, mas a sua loucura é que era fruto daquilo que chamavam de “realidade”. “Copiar uma nuvem é escapá-la”.

Descobriu isso quando terminou de pintar “Mergulho no Asfalto”. Tinha sido um erro pintar um suicídio em que ele era o próprio modelo. Não podia mais mudar a ordem, ou a desordem das coisas. “Nem vai doer!”. Era preciso acreditar em algo. Foi bem mais real do que imaginara. Enterrou-se na avenida.

caio ricardo bona moreira 8:14 AM


segunda-feira, setembro 25, 2006
Lições de Cabíria

(advertência: para quem ainda não viu, eu conto o final do filme, porque sem ele eu não conseguiria dizer o que quero dizer)

Não sei o porquê, mas depois de tanto tempo, Noites de Cabíria me assalta a memória. Talvez porque Fellini precisa ser ruminado. Sempre saio de um filme seu com uma sensação de peraí, que será que esse doido quer dizer agora. Fellini sempre tem uma novidade, uma surpresa que nos espera doce e saborosa em cada final. E no subir das legendas aquela sensação boa de "meu deus" escorre entre lágrimas e estupefação. Mas vá, lá, vamos falar da Cabíria. O título é enganoso: Cabíria não que ensinar nada. Filme algum quer nos ensinar algo, em última e primeira instância.

Numa Itália do pós-guerra, a pobreza e a reconstrução são visíveis. A influência americana nos trajes e nas motos dos jovens também. Mas Cabíria não é mais uma jovem. Cabíria é do tipo de mulher com quem se casa. Do tempo em que se poderia tirar a "mulher da vida" (em sentido lato e estrito). O filme começa com ela sendo jogada em um rio. Às traças, ou aos lambaris, se preferir (nem sei se há lambaris na Itália). Ela mora em um casebre modesto. Mas seu. Em uma vila modesta. Com poucas casas e gente humilde.

À noite, Cabíria vai para a cidade trabalhar. Conhece um ator que a leva para jantar, e depois para sua casa. O homem a trata bem. E ela vai embora. Ainda há bondade no mundo? Marcante o episódio em que Cabíria e seus amigos vão à uma quermesse (há tais festejos na botina? vocês entenderam que é uma festa de igreja), uma procissão/romaria em louvor de algum santo. O fervor religioso impressiona, comove. Outra demonstração de ato de fé é quando uma procissão passa pela rua onde fica "o ponto". Cabíria e uma amiga a seguem a procissão.
O acontecimento cabal é quando Cabíria vai ver um espetáculo. Na saída é interpelada por um homem. Saem para tomar uma bebida. Começam a se ver com freqüência. Ela custa a crer que possa alguém de fato amá-la. Alguém que esteja disposto a compartilhar algo com ela, quanto mais uma vida. Mas, a nossa heroína não é dessas mulheres. Ela é ressabiada, cabreira. Tem medo. Sim senhores, ela tem medo. Quem não haveria de tremer quando no auge do frio alguém lhe lança uma acha de lenha às brasas quase dormentes e quietas?

A ingenuidade renasce. Eis que surge uma mulher feliz, alegre e saltitante, doce, incrivelmente doce. Da amargura inicial, agora ela se reveste de uma candura. A dureza do coração de Cabíria esmorece. E ela abandona tudo, junta suas economias e resolve partir com seu amado. Ora. Enquanto outras estórias nos contam a felicidade - oh a felicidade, esta ingrata serva de Maia – Cabíria se vê vítima de um golpe. Diante do abismo, físico (palmas para a fotografia) e moral, o que resta? A morte, pensou você? A depressão (veja os dois sentidos desta palavra, como bem aqui cabem ambos)? Mas a paisagem outra vez se transforma ela não é apenas o fim, é também o horizonte do provável, do porvir, a esperança, senão a fé? Cabíria é forte. Cai. Levanta-se, novamente endurecida. (obrigado Nino Rota) ah, a música, o circo. Que é a vida senão isso: um grande circo, um grande picadeiro onde nossos espetáculos são encenados; vestimos nossos narizes de palhaços e saímos fazendo piruetas para agradar o chefe, para ganhar o quinhão, pagar a cpmf, o iof, iptu, icms, ipi e o escambal (pode ser com "u", se quiser), engolir o pão de ontem; a miséria, a esmola de salário; as desilusões do amor e outras tantas. O circo também pode ter estes dois sentidos: a alegria efêmera, pseudo-felicidade, ou ainda como um remédio ou ponta de esperança quando tudo parece querer ruir. Vêm o palhaço e nos mostra que há sempre um sorriso gratuito para dar ou receber, seja sincero, ou não.

Luisandro

ps. Eu assisto Fellini como uma criança comendo pipoca no circo.

L. M. de Souza 11:49 AM


domingo, setembro 24, 2006
DA SEMANA GONZO: MUPPETS FROM SPACE (ou mandando tudo à merda)

Em memória do Dr. Thompson, The Duke.

Porque chega a hora que todo mundo tem que dar um tiro na própria cabeça.*Precisando retocar a raiz do cabelo. Mais sobre The Great Gonzo na GONZOLÂNDIA.

Anônimo 11:27 AM


sexta-feira, setembro 22, 2006
Eu sou o que as mulheres que eu amei fizeram de mim

"Eu, como muita gente, sou muito eu. Nunca fui realmente de nenhum grupo, nem a minha família jamais pertenci. O grupo é o caminho pelo qual um homem tem de passar, na medida que ele se individualiza. Eram todos meus amigos, o Cinema Novo. Mas me antagonizavam muito porque eu era o único que não achava que a política é o assunto mais importante do mundo. A política é uma coisa curiosa, terrível, vital. Porém são as relações humanas o que mais importa. A Arte é, a despeito de si mesmo, política. Não é preciso ir tão direto ao pote"
(entrevista cedida à revista Época)

Egocêntrico, escandaloso, cego, apaixonado, apaixonante. Elo perdido entre Truffaut e Allen. Gênio carioca. Teatro, música e cinema. De todas as mulheres do mundo às separações. Pai de Maria Mariana, esposo de Priscilla Rozenbaum (a eterna Glorinha, ô Glorinha!)ex marido de Leila Diniz. Assim é Domingos Oliveira. Ontem ele completou 70 anos e em homenagem a esse genial cineasta brasileiro reproduzo aqui dois textos do filme "Separações".

“ Por mais sóis que amanheçam
Por mais amores que nasçam
Por mais compreensão que se tenha
Saiba princesa minha , que você me matou
Por mais sorrisos que tenha a festa
Por mais anjos que entoem um renovado hino
Por mais crianças que nasçam com teu rosto divino
Saiba princesa minha , que você me matou
Por mais doce que seja esse teu namorado
Maior o esquecimento
Por mais que alguém grite no meio da rua que a guerra acabou
Saiba princesa minha que você me matou .”

"Vamos ter um filho?
Vamos escolher o nome dele?
Deixa eu te alegrar quando você estiver triste.
Te ninar quando você estiver cansada.
Vamos foder o dia inteiro?

Deixa eu te fazer uma massagem com creme?
Vamos aprender a tocar piano juntos?
Vamos foder o dia inteiro?

Deixa eu ajoelhar e beijar tua mão.
Vamos ser tão felizes que fiquemos calmos.
Tão calmos que fiquemos fortes.
Tão fortes que possamos ajudar a todos os amigos que precisarem.
Vamos foder o dia inteiro.

Vamos aceitar tudo que o outro é.
Defender tudo que o outro é.
Amar tudo que o outro é.
Vamos foder o dia inteiro. "


Up date: Façam-se um favor, não morram antes de ver "Amores", "Todas as mulheres do mundo", "Feminices", "Edu Coração de Ouro", "Separações", só pra começar ;-)

ludelfuego 10:45 AM


terça-feira, setembro 19, 2006
Caio Ricardo Bona Moreira

A HISTÓRIA QUE NINGUÉM CONTOU
OU A VITÓRIA DE OSWALD DE ANDRADE
NAS ELEIÇÕES DE 1950
.
.
escapulário

No Pão de Açúcar
De Cada Dia
Dai-nos Senhor
A Poesia de Cada Dia
(o. de andrade)

Parte 1

Um amigo costumava dizer que a história se parece com uma anedota. Uma piada. Depois de pensar sobre isso, adotei a premissa de que só posso entender a história se reinventá-la. Levei ao extremo a idéia desse juízo que me encheu de júbilo e frenesi.

O passado tem vida própria e segue sozinho. Por exemplo, se estou numa encruzilhada e decido seguir à direita, o caminho da esquerda não existe apenas como um trajeto não realizado. Eu sou dois. Eu me fragmento. Mesmo seguindo um caminho e não o outro fiz as duas travessias. A diferença é que a outra viagem não é tão palpável quanto aquela que trago comigo como um feito realizado debaixo do meu colchão. Sou mesmo desconfiado.

Parte 2

Depois das eleições é comum que os meios de informação noticiem a vitória de um e a derrota de outro, o que é sempre relativo. As vitórias não são essências e muitas vezes se parecem muito mais com uma grande sacanagem. O mesmo vale para as derrotas. Na história do outro caminho, não contada pela história, meu candidato venceu.

Oswald de Andrade não tardou a desafinar o coro dos contentes e passou na prova dos nove. Depois da posse, convenceu os correligionários a defenderem um projeto antropofágico. Primeiro deveriam convencer os adversários a adotarem uma medida provisória auto-fágica. Só pra ver se sumiam do mapa. Deu certo. O Brasil era agora uma tribo pós-nacionalista. Para que pregar o rompimento com o FMI se poderíamos emprestar dele todo o capital necessário? Rejeitaríamos o resto. Regurgitaríamos o excesso do nacionalismo careta e pregaríamos um meta-Brasil sem muleta.

Não tardou o sucesso da proposta. Alguns anos depois, Oswald foi eleito Pajé da tribo Tupiniquim. Todos usávamos óleo de urucum, colares e calças jeans. Haveria tecido melhor para bater todo dia? Jogamos fora o hino neo-romântico e todos cantávamos Trenzinho Caipira sob a matuta do maestro. Mário foi para o Ministério da Cultura, de onde só saía com o seu gravador para viagens ao interior em busca de materiais autênticos, ou para trocar palavras secretas com seu assessor dentro do banheiro, mas ninguém ligava. Nas escolas, os alunos aprendiam o tupi, mas também o português, o inglês e o francês. Era preciso conhecer para deglutir – não dá pra comer o que a gente não conhece. Ninguém nunca ouviu falar em “mensalão”.

Quando consegui estabelecer uma comunicação com a outra realidade e contei o que era o Brasil desse lado, ninguém acreditou. Apontaram-me arcos e flechas: Só existia um Brasil, o deles. Minha “estória” soou como uma piada. No final, riram e prepararam um caldo com o estrangeiro. Meu “eu” daquele lado tentou me defender. Virou farofa.


caio ricardo bona moreira 8:18 AM


segunda-feira, setembro 18, 2006
quero ficar famoso

Vou escrever um best-seller. Será uma história de aventura. Pincelada com aspectos históricos. Um romanção de aventura no qual o foco narrativo seja o enredo e não as pessoas. Por mais que eu goste de histórias que falem de pessoas. Mas se a história vem em primeiro lugar fica mais envolvente, afinal, todos querem saber como termina a dita.

Pode ser a história de um casal de jovens que não podem ficar juntos porque as famílias são arquiinimigas. Poderia se passar no vale do Itajaí. Uma família é descendente de italianos e outra de alemães. Os alemães não se demovem da idéia de que se Mussolini tivesse segurado as pontas daquele lado, o final da guerra teria sido outro. Além dos alemães terem ganho uma copa dentro da Itália, agora a Itália inventa de vencer a copa da Alemanha, que despautério! Nunca que o Nono deixaria que sua neta querida casasse com uma draga de chopp, comedor de salcicha, que nem sabe fazer queijo direito. Acharam que era Romeu e Julieta? Catso!

Ou ainda pode ser a história de um jornalista. Na verdade ele não é jornalista. Mas a única coisa que sabia fazer direito era escrever. Pelo menos era o que ele achava. Apesar de continuar trabalhando na empresa de correios e telégrafos, ter tentado o serviço militar, mas desistiu depois que um sargento quis passar a mão na sua bunda. Fugiu antes que ele quisesse passar outra coisa. Já viu o tamanho de uma granada? Como era boêmio e altamente suscetível à promiscuidade deixando-se seduzir facilmente pelos doces cheiros da noite, pelos aromas cítricos das putas, pela suavidade e burrice de algumas ninfetas colegiais foi morar na metrópole. A província já era pequena demais para suas ambições. Não, não é a minha história, poderia ser a história do Henry Miller, do Caio Abreu, Faroeste Caboclo?. Quem não gosta de uma putaria que atire a primeira pedra. (ops! Essa passou perto). Isso! recheada de episódios sensuais. Ele se apaixona por uma meretriz e vive às suas custas durante dois anos. Come todas as amigas dela e no final foge com uma normalista filha de um coronel reformado do exército. Só de vingança.

Pode ser uma história simples. De um homem simples. Tem seu emprego na repartição pública. Preenche relatórios, carimba e assina papéis, envia memorandos, atende as pessoas, resolve problemas do intrincado sistema burocrático estadual. E diz a pessoa que volte amanhã após ter preenchido o formulário correto, todas as três vias, e não esquecer de anexar os documentos fotocopiados e autenticados; Claro! comprovante de residência é imprescindível. Chega em casa, a namorada pergunta se ele quer ir ao cinema. Ele diz que não, ela deveria ter agendado o compromisso com três dias de antecedência. Na Quarta-feira o seu time joga pela série B. Ela fica chateada. Natural. Mas não muito. Porque o namorado dela é assim mesmo. Ele tem um bom emprego, um bom salário, um bom carro, e quando eles casarem vão comprar uma boa casa financiada e serão felizes com seus filhos e objetos de decoração da Havan, panelas de inox da Tramontina e a imensa e barulhente televisão de plasma de 42’. Mas ela ainda não sabe que ele comprou uma mochila de viagem e está economizando para fugir de moto com a estagiária do almoxarifado. No final ele acaba casando com a namorada mesmo. A estagiária fugiu com o chefe do departamento para o Caribe (dizem que ele está sendo processado por desvio de verbas).

Também pensei numa ficção historiográfica sobre o Contestado. O nosso herói é um caboclo que passa pelos principais acontecimentos históricos do Paraná e de Santa Catarina. Conhece o profeta João Maria, fica hospedado na casa dos Marcondes. Luta na Guerra do Contestado. Assiste ao primeiro desastre aéreo militar do Brasil em General Carneiro. Trabalha na Lumber. Vem para Florianópolis e trabalha na construção da Hercílio Luz. E serve o cafezinho no Palácio Cruz e Sousa durante a assinatura do tratado de limites entre os dois estados. Só não entendeu porque dividiram União da Vitória e Porto União em duas cidades. Bom, se Juazeiro e Petrolina são divididas pelo São Francisco, que mal há em dividir duas cidades pelos trilhos do trem? Só que agora não há mais trem e os trilhos são decorativos, onde ainda eles existem. A história pode ser contada pelo próprio personagem, que relembra suas aventuras, como daquela vez em que urinou em uma fonte. Esqueceu de avisar ao Profeta que a água não era boa. Azar o dele, e do povo que depois ficou dizendo que a água era benta.

Depois de escrito o livro, precisaria arrumar um editor. Escrever para os jornais, arrumar contatos na Bravo!, na Cult, uma entrevista no Jô, uma resenha no caderno Mais da Folha, no Rascunho, na Veja. Se der certo, negociar uma adaptação para virar minissérie da Globo, ou filme dirigido pelo Guel Arraes ou Cacá Diegues, com trilha do Caetano e do Lenine. Pronto, daí vou ganhar um bom dinheiro, já vou ter um contrato para pelo menos mais um livro para ser lançado na próxima feira do livro de Paraty, vou ser convidado para noites de autógrafos nas mega-stores das principais livrarias do país, na Fnac, na Saraiva. E se vender bem mesmo, ainda terei traduções para o francês e o inglês. Ficarei amigo de caras como o José Castelo, o Carpinejar ou o Marcelino Freire; este me convidará para juntos montarmos uma produtora cultural. Darei conferências em congressos e universidades, algum jornal vai me oferecer uma coluna semanal e as jovens estudantes de letras me escreverão cartas apaixonadas me convidando para jantar, loucas para conhecer minha biblioteca e minha casa na Praia Brava (ou na Solidão, ainda não decidi).

Nisso o telefone toca. Uma funcionária do Banco do Brasil perguntando se estou ciente do atraso no pagamento da fatura do meu cartão de crédito e quando posso regularizar a situação. Respondo convicto: depois que publicar meu primeiro Best-seller.


Luisandro escreve aqui nas segundas um textáculo (ou textículo) de sexta. Visite seu blogue.

L. M. de Souza 2:14 PM


domingo, setembro 17, 2006
Curta da Semana: O Universo de Mojica Marins do Ivan Cardoso.


Resolvi transferir o Curta da Semana que faço no meu blog para O Escambal hoje... E nada mais digno do que colocar um documentário sobre a vida e obra de Mojica dirigido pelo Cardoso, dois dos meus mais amados cineastas e gurus (nem vou citar a participção do Sganzerla porque aí já é covardia!). Esse curta não é novidade, ele saiu no box de dvds do Zé do Caixão há alguns anos, mas de qualquer forma é uma bela homenagem de um ídolo para outro.

*Ficha Técnica
Diretor Ivan Cardoso. Elenco Carmem Marins, Georges Michael, José Mojica Marins, Rogério Sganzela, Satã, Wilson Grey. Ano 1977. Duração 26 min. Bitola 35mm. País Brasil. Fotografia Renato Laclete, Aloísio Araújo. Roteiro Ivan Cardoso. Edição Gilberto Santeiro. Trilha Sonora Julio Medaglia.


Link para assistir ao curta: O Universo de Mojica Marins


Aviso: Trilogia do Terror
Hoje domingo dia 17 de setembro a rede TVE do Rio estará apresentando a partir da meia noite o filme Trilogia do Terror que simplesmente reuniu três dos maiores cineastas do Brasil: Ozualdo Candeias, Luis Sérgio Person e José Mojica Marins, cada qual com seu episódio. *Mimo para gravar. E ainda contará com a presença de Ivan “pirista” Cardoso (deuso! deuso!) comentando. Imperdível. Haverá reapresentação no sábado dia 23 lá pela uma e meia da matina.

Anônimo 12:13 AM


sexta-feira, setembro 15, 2006
Fecho os olhos pra não ver passar o tempo, sinto falta de você*

... Eu não vou saber me acostumar
Sem suas mãos pra me acalmar
Sem seu olhar pra me entender
Sem seu carinho
Amor, sem você ...*

Eu só queria que não doesse nem em você nem em mim. Queria que sua cabeça ficasse no arco dos meus braços e embalar o seu medo, se tivesse medo, nem sei se teve, mais medo tive eu como se fosse eu que morresse. Pronto, mãe, está acabado. Não precisa mais deste corpo que tanto te fez sofrer. Corre, com suas roupas brancas, por esses campos verdes, sem horizontes, respira, mãe, respira livre e forte, sem cansaço, voa, que não precisa mais de tubos de oxigênio, de tentar, de tentar, como se fosse preciso não morrer. Espera por mim , que um dia ainda te alcanço nessa corrida. Quem sabe seremos mais felizes do que fomos aqui, do que tanto tentamos aqui. Não quero a eternidade. Só quero o calor do seu abraço e sem querer, soluço, como uma menina órfã, presa, para sempre, no vazio dos meus braços.

Esteja em paz mãe, esteja em paz...
(15/09/52 - 24/01/06)

* Hoje ela faria 54 anos e o título deste post é um trecho da música Amor Perfeito do Roberto Carlos, que ela sempre cantava quando minha filha chegava em casa

ludelfuego 12:45 AM


terça-feira, setembro 12, 2006
Caio Ricardo Bona Moreira

O ADIAMENTO DA MORTE DE VINCENT MALEICOVITCHI


Deitado na cama, antes de partir, entre um delírio e outro, meu avô, o fotógrafo Vincent Maleicovitchi, sussurrou para mim: “A fotografia é um adiamento da morte, ou o adiamento daquilo que ainda será”. Eu tinha apenas seis anos, mas nunca esqueci. As fotografias passaram, então, a fazer parte de minha vida. Eu costumava freqüentar “sebos”, procurando encontrar alguma foto que explicasse as palavras de meu avô. Carreguei esse enigma por muito tempo.
Lembro da primeira foto que comprei.

É uma varanda. Um velho conversando com uma velha. Ele aponta o dedo em direção ao fotógrafo. O velho usa um chapéu panamá. A foto lança o casal no abismo do adiamento da morte. O velho repete eternamente o mesmo movimento, como que condenado a não mais sair da foto, preso no purgatório da representação. Mas não foi por isso que comprei a foto. Foi a inscrição do avesso que provocou a minha curiosidade. Em letras garrafais: “Isso-não-foi-isso-será”. O que teria essa frase a ver com meu avô?


Só entendi o que ele falou, assim como o que a frase da foto dizia, quando um amigo sugeriu a leitura de “A câmara clara”, de Roland Barthes. Depois de refletir sobre o pensamento do escritor francês, sobre a foto do casal, sobre a frase do verso da foto, e sobre a fala de meu avô sobre a foto, cheguei à conclusão de que as teorias não conseguem explicar muito. Para Barthes, a foto repete mecanicamente o que nunca mais poderá repetir-se existencialmente. Ela atesta o “isso foi”. Mas é nesse ponto que encontrei um grande problema. Agora que estou velho posso pensar melhor. Já tinha quase esquecido da frase: “isso-não-foi-isso-será”.


Tudo ficou claro quando num claro dia fui com minha senhora até a varanda lá de casa. Quando olhei para a rua, vi que um homem barrigudo se aproximava. Tirou uma máquina fotográfica da bolsa e apontou para os dois expectadores da varanda. “É o fotógrafo!”, gritei assustado. Vi o “flash” entrar em meu campo de visão. Não notei que o homem fugira. Eu usava um chapéu panamá.


Depois de reler o texto de Barthes, já não sei se a fotografia é a marca do “isso foi”, ou daquilo que ainda será. Na duvida, parei de olhar para fotografias. Também me recuso a posar para elas. Prefiro não adiar minha morte. Não gosto de fazer pacto com as imagens.


caio ricardo bona moreira 8:18 AM


segunda-feira, setembro 11, 2006
nada a declarar

Domingo. Jogando paciência e pensando no que escrever para amanhã n’oescambal. Nada. Não vou escrever nada. Não tenho nada para dizer. Pouco me importa o furdunço no Oriente Médio. Querem entender o que está acontecendo lá? Talvez o Said Ali explique. Eu não. Não tenho nada a ver com aquilo. Não sou Judeu, Libanês, nem muçulmano. Ou seja, esta guerra não é minha. Petróleo? Que queimem toda essa merda que só polui. Para que precisamos de plástico?

Eu poderia não falar das eleições. E não vou falar das eleições. O Lula vai se reeleger no primeiro turno, em Santa Catarina o Luis Henrique também. Não vou votar também. Ainda não transferi meu título de eleitor para Florianópolis. Aliás, não é uma pândega essa propaganda eleitoral? Educação, saúde e segurança. Quem é contra isso? quem é contra redução de impostos? Não há debate. Troca de idéias. Como trocar idéias que não existem? “Cuidar das pessoas”, que discurso vazio. Claro que você vai cuidar das pessoas animal! Vai cuidar de quem? Mesmo que só arrume emprego para seus parentes, ainda assim ninguém poderá negar que apesar de poucas, você cuidou de algumas pessoas.

Eu poderia falar da situação econômica, da falta de trabalho. Mas como estou trabalhando, não vejo falta de trabalho. Trabalho há, o problema é encontrar ele. Quando vejo o desinteresse dos meus alunos vejo porque o país vai mal. Vejo porque daqui a dez anos muitos deles estarão ali na propaganda eleitoral reclamando da falta de trabalho, da falta de transporte público, da falta de saúde, da educação precária dos seus filhos. Ainda não entendi porque tem muito pai que não se preocupa com a educação dos filhos. Claro que nem todos saem da escola intelectuais. Nem da universidade saem intelectuais. Da escola sairão pedreiros, cozinheiros, garçons, motoristas, ambulantes, prostitutas, barmans, publicitários, jornalistas, assassinos, corruptos, funcionários públicos. Sai todo tipo de gente da escola. Mas por que essas pessoas que saem, quando vêem que seus filhos estão lá, nas mesmas cadeiras sujas, comendo o mesmo pó de giz que eles comeram não fazem alguma coisa para que seus filhos tenham uma educação melhor? Não sei. Cansei de pensar sobre isso. passei quatro anos da minha faculdade pensando sobre isso. Nos dois anos do mestrado não pensei sobre isso. Agora que estou diariamente encarando crianças, algumas inteligentes, outras preguiçosas e desinteressadas, vejo que a culpa não é de ninguém. Não é minha que sou professor, não é do diretor da escola, não é da orientadora educacional, não é do pai, não é do governador, é de todo mundo.

Eu poderia falar também dos filmes que não vi: do filme novo do Almodovar, que não chegou aqui ainda. Do Zuzu Angel, do novo filme do Cacá Diegues, do Doce Vida do Fellini que revi Sábado à noite e vi muita coisa que tinha me passado despercebida, como aquele palhaço que entra tocando uma música triste no trompete, no Cha-cha-cha, onde Marcelo leva seu pai para tomar umas e ver a mulheres dançar, e depois quando ele sai os balões vão seguindo o trompetista. A religiosidade mais uma vez fulcral. O santo carregado pelo helicóptero, Anita Ekberg no Vaticano, as crianças que juram terem visto Nossa Senhora, fantástica cena, o desespero das pessoas destruindo a árvore para pegar os galhos e folhas do suposto lugar onde ela teria aparecido, seria a fé a última coisa que lhes resta, numa Roma em reconstrução? Sem rumo como o personagem do Mastroiani, errando em busca de algo que não sabe bem o que é? Mas não quero falar de cinema, nem do X-men III, que ainda não vi, nem que o Lázaro Ramos fazendo comédia lembra muito o Grande Otelo.

Também não vou contar que encontrei a primeira edição da “Trombeta do Anjo Vingador” do Dalton Trevisan, que ia dar o livro de presente mas não vou mais. Também não vou contar porque não vou dar mais o livro de presente. Eu poderia falar que reli “Memórias Sentimentais de João Miramar” e fiquei feliz por ter compreendido um pouco melhor do estilo do Oswald. Já contei que comprei em São Paulo o volume de poesia da sua obra completa? Pau-Brasil e o Caderno juntos. Delícia. Cada vez mais adoro ele. Também estou lendo o “A insustentável leveza do ser”, do Kundera. Descobri que o livro estava na lista dos mais vendidos de oitenta e cinco. E na locadora aqui perto de casa tem o filme. Mas só vou ver depois de terminar de ler o livro. Putz. Nessa locadora tem também o “lavoura arcaica” e “taxidriver”, é, aquele do Scorsese com o de Niro. Mas ainda não os aluguei. Vai ficar para uma próxima. Ainda quero ver “Crianças invisíveis”, pelo trailler parece ser ótimo.(coragem! está acabando).

Tanta coisa acontecendo por aí, e eu aqui no final de tarde de um Domingo azul, pensando em coisas para não escrever no meu texto de segunda-feira no blogue. Essa mania de querer parecer inteligente, de querer mostrar que sei mais coisas do que sei na verdade, de querer ainda conversar com as pessoas sobre isso. De acreditar que isso possa de alguma forma me ajudar em ter um trabalho melhor, como naquela reportagem de uma Trip que li, sobre pessoas que montaram seus próprios trabalhos, com design, editoras alternativas, produtoras, gravadoras, moda, há tanta coisa legal por aí, só falta aquele insight para tocar pra frente. Mas para quê? A vida é legal assim, ganhar pouco, cumprir horário, pegar ônibus todo dia, ir pouco ao cinema, ter pouco tempo para ler e estudar, menos ainda para escrever. Mas para que ler, escrever, estudar? Você já não saiu da escola? Bom, sobre isso tudo, acho que não tenho nada a declarar mesmo. Entre a miséria do mundo e a fantasia, entre a realidade e o cinema, eu fico cá com minhas poesias e devaneios. E projetos feitos de nuvens e algodão doce. (ufa! terminou...)


Luisandro posta aqui nas segunda sempre algo de sexta.
ps. fui o visitante número 2000.

L. M. de Souza 2:24 PM


domingo, setembro 10, 2006
Ela e malvada. Ela e muito malvada e cruel.

As beldades da sua esquerda para direita: Haji, Lori Williams e Tura Satana.


Mas nao e uma malvada qualquer com a eventual crise de consciencia, ela mata e manipula por diversao. Ela pode ter o homem e a mulher que quer so dizendo um reles venha ca. Ela faz voce se sentir como se fosse a Virgem Maria por ser tao boazinha comparada a ela.
Esse Ela e agora substitituido por Tura Satana como Varla no melhor e mais acessivel filme de Russ Meyer (tetas desnudas noo pululam neste): Faster, Pussycat! Kill! Kill! de 1965 e que evidentemente entra na minha galeria pessoal de melhores personagens femininas do cinema, diria ate, uma das mais insuportaveis que passaram pela tela, ou seja, adoro.
Mas o merito nao fica so a cargo de Tura, nao. Meyer construiu um filme divertido, esteticamente cult por natureza e que acaba se convertendo num drama pesado, com seres humanos cheios de rancor tentando uma vinganca contra fantasmas passados em qualquer um que lhes passe pelas fucas, seja na versao girl-power ou no aspecto drama-familiar. Se a primeira vista nos parece apenas um filme cheio de mulheres gostosas, rebolativas e violentas, acabamos por nos entregar ao drama denso e transgressor que esse filmaco realmente e.
Mas e claro que nem tudo esta perdido num mundo de perversos, ha sempre o puro de alma tentando se libertar de toda essa lama e ali reside o redencao desse filmaco. Indicadissimo.

Nota 1: Tura Satana estreou no cinema sob a batuta de Billy Wilder numa pequenina participacao em Irma La Dulce. Sua carreira no cinema e mesmo infima, mas a sua Varla lhe rendera grandes homenagens eternamente.

Nota 2: John Waters considera Faster, Pussycat! Kill!! Kill!! o melhor filme ja feito e Quentin Tarantino acha Tura Satana uma das melhores atrizes do cinema.

Nota 3: O objeto de culto que se tornou Tura Satana e tao imenso que ela virou ata personagem de HQ.

Nota 4: Nao e so essa ultra cult siren que estreou nas maos de um cineasta mitico fazendo ponta, Cassandra Peterson (mais conhecida como Elvira – A Rainha das Trevas) teve sua estreia com Federico Fellini em seu Roma. Convenhamos, Mrs Peterson tem toda a opulencia felliniana, embora sua participacao tenha sido bem discreta.

Anônimo 12:51 AM


sexta-feira, setembro 08, 2006
Do amor e suas dores

O dia perdendo a luz
inscreve-se em outro,
na tarde.
Sob a sombra, o amor
divide confissões,
palavras ternas,
desejos...
No céu,
a Terra segue a sua viagem,
girando histórias
sob galáxias desconhecidas.
O amor não.
É um só, em qualquer língua.
Diz adeus, pede perdão,
depois volta renovado,
como se nunca tivesse ido.

*****
Fecho os olhos para não encarar os seus que me fitam
Dói se entregar tanto
Medo, sons, bocas, dedos, línguas, pêlos, suor, dúvida
Ser sua pra sempre, ser sua só agora
Te perder em outros braços, me perder na sua fome
Você vem, provoca, deseja, vacila, recua, volta
E sorri, doce, sacana, cruel
E nesse vai-e-vem não sei se suspiro ou grito

*****
Se a vida tivesse saída
Eu sairia pela porta da vida,
Não pela porta da sala

*****
Depois de tantas e tantos ela olhou pra ele e reconheceu os sinais
E de tão cansada, não disse nada
Arrumou suas coisas como se arrumasse sua vida e saiu
Ele também não disse nada
Ele sabia que ela sabia


Leitura: Sem amor só a loucura


ludelfuego 11:21 AM


terça-feira, setembro 05, 2006
Caio Ricardo Bona Moreira

PLATÃO, HORÁCIO, E O PROFESSOR GENÉSIO


Meu professor de literatura parecia ser um cara normal. Quando o ano letivo começou, ficamos animados com aquele velho barbudo, que entrava na sala sempre atrasado, suando como um padre no deserto. O professor Genésio Freitas, doutor em Literatura Comparada, apresentou-se como um “desconstrutor”. Cada vez que a aula esquentava, ele colocava em cheque toda a noção razão ocidental. Carregava sempre “The Cantos”, de Ezra Pound, e gostava de declamar Walt Whitman. Sempre tinha alguma frase para calar nossas construções conceituais, nossas grandes narrativas, a nossa inexorável ignorância. Durante a semana, esperávamos ansiosamente pelas discussões que aconteceriam na aula do nosso miglior fabbro. Saíamos da aula e passávamos no Bar Quintino, próximo ao prédio da faculdade. Lá, as aulas continuavam.

Tudo corria normalmente até o dia em que, depois de afirmar categoricamente que a escrita era um remédio, não um veneno, o professor Genésio caiu num transe espiritual, mudou a voz e, falando em grego, negou tudo o que havia dito anteriormente: “Pharmákon sempre será um veneno, não um remédio, eis a alétheia”, a tradução simultânea foi feita por Hermógenes, um descendente de grego, hábil na língua, que nunca faltava às aulas. Falava ele da escrita. No início, achávamos que se tratava de alguma doença. Estávamos errados. Era um caso raro de mediunidade. Ficamos sabendo alguns dias depois que o professor Genésio incorporara Platão. Quem decifrou o oráculo foi Armindo, colega de classe, que era ligado a esses assuntos metafísicos e estudava o espiritismo.

Numa outra feita, Genésio, que era tradutor de poesia latina, dissertava sobre a noção de “est modus in rebus” e “virtus in medio”, em Horácio. Quando começou a declamar suas traduções do poeta “Carpe Diem”, seu olho começou a virar. Era Horácio em pessoa, ou melhor, em espírito: “Eu nunca disse isso, velho miserável” – Hermógenes, que também era versado em latim, traduziu. Horácio esganava o professor Genésio, ou seja, Genésio batia em Genésio. Tivemos que intervir e apartar a briga. Horácio era forte como um cão.

Depois daquela aula, nunca mais vi o professor Genésio, que foi afastado pelo departamento. Armindo contou que ele foi viver no campo: “fugere urbem”. O médico atestou impossibilidade para o magistério, causa desconhecida, talvez uma forte crise de depressão. Os alunos sabem: Platão desconstruiu o desconstrutor.

caio ricardo bona moreira 2:36 PM


segunda-feira, setembro 04, 2006
once upon a time...

19.12.2005
(ou fragmentos de um diário que não é escrito diariamente ou notas para um romance auto-ficional-biográfico ou de porque não levar um comercial de cerveja a sério)

Tenho um medo intenso da loucura. A ilusão me persegue por todos os cantos. Não acho que seja apenas essa coisa de sonhar ou pensar mirabolices. Talvez seja mais. Portas que rangem, sustos, gritos, disparos, ônibus caindo em penhasco ou ponte, sempre um carro a fechar o meu. A morte não me assusta. O que procede é o desvelo, a revolta que me assoma. Faz-me isso, ilusão, mitologia, fabulismos. Maia, como se a realidade fosse outra coisa que não aquela que meus olhos vêem. Há sempre um desastre, alguém que corre em minha direção e me dá uma paulada, um tiro na cabeça e tudo se acaba. E nem tenho tempo de dizer que não tenho dinheiro. Não tenho sequer paz.

Hoje li outro Kafka, O Veredicto. Bela história. Mas pouco entendi. Não gosto de livros com notas de editor. Não dá pra não ler os comentários. Isso não me faz pensar. Chego somente às leituras dos caras e não alcanço outras. É uma droga isso. Lendo as fábulas do Herman Hesse (fabulierbuch), sem comentários, a coisa é outra. Ele escreve espantosamente bem. Um domínio absurdo da prosa, do enredo, personagens redondos, claro que cada um com seus dilemas e problemas. Só achei que há muito "deus" nas histórias, muita oração, resignação. Como se o pecado original assombrasse a todos e precisamos purgar isso de algum modo. Para mim isso foi lá com Adão, Eva e a maçã. Hoje, meus problemas são outros, mais terrenos. Deus sabe o que penso Dele, Cristo e tals. As histórias de aventura são fantásticas, prendem o leitor, envolventes.

Voltando a Deus, não preciso convencer ninguém do que penso sobre religião. Faz-me bem pensar diferente. Detesto esses idiotas que querem catequizar o mundo. São uns párias, uns fracassados. Falam tanto na palavra, mas caridade, respeito e trabalho são palavras que não conhecem. Grandes vendedores, isso sim. Não entendo como certos cristianismos conseguem conciliar o deus do antigo, tirano, déspota, com o deus do novo testamento, benevolente, que interfere menos.

Claro que quero ser um gênio também. Escrever alguma coisa que valha a pena ser lida. besteira todos escrevem. Se de cada cem frases minhas, duas forem plausíveis, o mundo está a salvo de menos lixo literário. E o mundo está poluído de lixo literário. Qualquer frase floreada com uma metáfora inusitada é literatura ou filosofia de trocadilho. Entender que diabos é essa coisa de civilização, contemporaneidade, modernidade, é tarefa para louco. Óbvio que toda arte deve ser uma espécie de espelho do seu tempo. Que aponte o que fomos.

Provavelmente eu teria contribuído mais para a humanidade de tivesse me tornado frei, monge, ou algo parecido, me enclausurado em algum monastério. A merda é que eu quero falar dessas coisas. E ser cético é uma das consequências da ação do pensamento, da ação científica e da literatura. Esta precisa duvidar que estejamos de fato vivos, que exista consciência e que a moral seja apenas uma coisa de bons costumes.

Um louco a menos, um gênio a menos ou a mais. Quem ganha quem perde com isso?

Luisandro escreve aqui nas segundas sempre algo de sexta.
Visite seu blogue

L. M. de Souza 2:08 PM


domingo, setembro 03, 2006
Uma GRANDE salva de palmas para Tommy Lee Jones

Por que uma salva de palmas? Três Enterros, oras. Precisa Mais? Tommy Lee Jones interpretou e dirigiu um dos mais belos exemplares cinematográficos sobre amizade, tolerância sócio-política e, até este momento, o melhor filme que vi no cinema este ano. Agora que acabou de sair em DVD pude revê-lo e confirmar mais uma vez a grandiosidade de Three Burials of Melquiades Estrada.
Tommy Lee com a ajuda do excelente roteiro de Guillermo Arriaga, numa montagem não-linear dividida de forma episódica pelos três enterros de Melquiades, faz um manifesto contra a proibição da entrada de mexicanos nos EUA, num discurso através das mais belas imagens que vi em muito tempo, mostra a importância da amizade verdadeira e sem fronteiras com os mexicanos, passando por momentos totalmente insanos por parte de sua personagem (Pete/Pedro), a qual uma frase de Mike (interpretado por Barry Pepper) define da melhor forma possível: “You’re crazy. You’re totally fucking crazy, man.” e segue enfrentando o mundo porque acredita numa fantasia onírica dos anseios de Melquíades (o que chamamos vulgarmente de mentira), mesmo assim segue fiel a sua inesgotável amizade. Mas acima de tudo é um filme sobre vingança, uma vingança pela fraternidade e redenção por todas as injustiças do mundo.
O hall de atuações é soberbo, além de Tommy Lee ser um grande poeta das imagens, demonstrou ser um estupendo diretor de atores, Barry Pepper está muito bem, o elenco todo é de encher as vísceras, mas tenho que frisar a atuação do velho cego interpretado por Levon Helm, protagonista de uma das mais fortes e dolorosas cenas que vi no cinema nos últimos anos, um momento impactante e extremo que nehuma palavra poderá descrever em sua totalidade. Além disso tudo, Mr Jones nunca esteve tão expressivo como ator, a expressão de dor e inconformismo em sua face é dilacerante (não por acaso ele ganhou a Palma em Cannes de melhor ator por esse papel no ano passado).
Muito se compara Três Enterros ao genial filme do não menos genial Sam Peckinpah: Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia, comparação a qual concordo prontamente, mas um outro filme que me vêm à cabeça é Os Imperdoáveis do meu sempre amado Clint Eastwood, mesmo porque o desfecho de Os Imperdoáveis me remete muito ao Alfredo Garcia. Eu diria que os tempos em que Clint mandou o Tommy literalmente para a lua (ao som do Frank, hein!) em Cowboys do Espaço foram muito produtivos para Mr Jones. Também não irei ocultar que notei certos “momentos Sergio Leone” em algumas cenas, especialmente na hora do assassinato de Melquiades, quando a seqüência se inicia como Era Uma Vez No Oeste (por acaso o meu filme preferido de todos os tempos) mostrando o cata-vento do poço (que na minha infância também era chamado de bomba de vento) ao som ambiente e continua com algo que me fez recordar imediatamente da chacina de Sweet Water, mas ao invés de nos depararmos com um Henry Fonda se aproximando faiscantemente mau, vemos um guarda da fronteira deveras assustado indo em direção da câmera. Isso sem falar em Peter/Pedro arrastando Mike pelos desertos mexicanos/texanos com o mesmo requinte de crueldade cômica que Tuco e Blondie dividiam em Três Homens em Conflito.
Quando atualmente você consegue ver um western à moda antiga como esse, atualizado, com influência de nomes como Leone e Peckinpah e ao mesmo tempo tão original, não há como não ter fé no enraizamento do grande diretor que Tommy Lee Jones se tornou. E que venham seus próximos filmes, que os aguardarei ansiosamente.

Nota 1: Na direção Mr Jones não tem nada certo ainda, mas ele estará provavelmente arrasando como ator nos próximos filmes dos irmãos Cohen e do Altman.

Nota 2: Guillermo Arriaga está, ao lado de Charlie Kaufman, no seleto grupo de roteiristas que hoje em dia tem mais notoriedade do que os próprios diretores. Essa notoriedade ele ganhou na sua parceria com González-Iñárritu por Amores Perros, 21 Gramas e no curta Powder Keg (que faz parte daquela que considero a melhor campanha publicitária já feita: da BMW com o Clive Owen como protagonista). Agora eles retomaram a parceria com Babel, mas este ainda não vi.

Nota 3:Além de chegar um ano atrasado aos nossos cinemas, meus olhos marejaram de lágrimas quando vi a situação paupérrima do DVD nacional de Três Enterros. Nem estou falando da total falta de extras num filme que merecia uma edição dupla com comentários de áudio e tudo mais, o problema é que veio em fullscreen, minha gente! FULLSCREEN!!! Se já é de cortar os pulsos qualquer filme em fullscreen imagine um western, imagine ESSE western. A falta de respeito das distribuidoras está mesmo de cortar o coração de qualquer um, por isso acho que não vou comprá-lo (sim, eu coleciono filmes, já tenho quase mil) e sim baixá-la da internet, pois as distribuidoras dos outros países não tendem a desrespeitar tão hediondamente uma obra. Uma lástima.

Nota 4: Uma das belíssimas músicas de Marco Beltrami para a trilha sonora de brinde AQUI.

Anônimo 12:52 AM


sexta-feira, setembro 01, 2006

Foto: Marlon Brando e seu cão


Os bichos são o tempo que não se conta...
Sempre tive medo de encarar instintos abafados que diante do bicho sou obrigada a assumir
Não humanizo bicho porque é uma heresia, uma ofensa
Eu é que me animalizo
É só não lutar
É só entregar-se

ludelfuego 10:56 AM



Literatura, lixeratura, Música, Cinema, Teatro e outros bordéis.

Adriana Scarpin- domingo
Luisandro - segunda-feira
Caio Ricardo- terça-feira
Juliana - quinta-feira
Lucila - sexta-feira
Flora - sábado
orig.obsc.; talvez relacionado com a raiz de cambada, com alt. de sufixo para -al 'grande quantidade' e depois grafado com -u, seguindo a pronúncia do -l final, predominante no Brasil, *os cambal > *o scambal > o escambau, ou ainda da raiz de 1cambo/1camba, por processo semelhante; levantou-se ainda a possibilidade de o voc. originar-se de *os cambau > *'s cambau > *scambau > escambau, hipótese que se poderia admitir do ponto de vista da fonética sintática, mas que seria de difícil sustentação do ponto de vista semântico.pode significar ao mesmo tempo: algo que não é verdade, grande quantidade, uma coisa incrível ou a expressão "e muito mais" ... e o escambau
(...)
ADRIANA SCARPIN

Eu existo. Ou não. Visite seu blogue.

CAIO RICARDO

Eu estou poemando, logo existo, ou pelo menos insisto. Essa é uma das minhas meditações, uma espécie de mantra semântico, esse é meu canto assintático. . Visite seu blogue.

FÁBIO CEZAR

Carioca, graduado em Letras, é poeta, músico e professor. Participou como guitarrista e compositor em bandas de rock na cena underground. Escreve em colaboração a revistas, jornais e sites culturais. Editou o zine literário Falárica em edições eletrônica e panfletária, através do qual divulgou sua poesia e de outros poetas e prosadores. Mantém o blog Tediário Poetético .
, laboratório poético onde expõe suas "hipatéticas experiências eletro-estéticas". É autor de Polivocalia (e-book, ed. do autor), além de outros poemas, artigos, ensaios, crônicas e uma peça de teatro inéditos. Visite seu blogue ou site.

FLORA HANNAH

Flora Hannah ou Graciele Tules, a Graci?! Você é quem sabe. Flora é a criação, Graci é a criatura, além de uma pretensiosa aspirante de professora, fotografa e poetisa. Ela nasceu em 1981, em Joinville, e passou a infância ajudando seu pai a arrumar o encanamento entupido. Hoje passa os dias a contar e assassinar moscas. Visite seu blogue

JU REPCHUK

Olho o tempo passando pela janela do meu quarto. Tenho teorias malucas. Ando lendo revistas em excesso. Ando rindo em excesso. Ando grávida. Ando professora de inglês. Ando a pé. Ando mascando o chiclete. Paranaense cosmopolitana. Otimista com as pessoas. Comigo mesma. Aprendendo o manuseio correto das palavras. Conhecendo novas bandas de rock. Apaixoanda por lecionar, por cantar, por namorar... Prefiro o PC à TV. Adepta do widescreen e linguagem original no vídeo. Aprendendo Francês. Tendo uma queda no Alemão. Ainda tenho muito que aprender do Inglês. Da vida.

LUCILA

Pinto (ops), bordo, chuleio, crocheteio e tricoteio, não dirijo e nem ando de bicicleta, tenho talento pra finanças e pro desenho, encanto mais do que canto e a única coisa que quero aprender a tocar é a alma das pessoas. Sobre artes não sei muito, menos ainda da arte de amar. Leio muito menos do que gostaria e muito mais do que as pessoas que convivo. O sol em aquário faz com que a tecnologia e o novo guiem minha vida, a queda que tenho pelo belo, pelo sofisticado e pelo erótico, libra explica. Amo os animais até mesmo aqueles que partiram meu coração. Tenho um sorriso farto e fácil, boca bonita, lágrimas escassas, um bom humor praticamente inabalável e dificuldade de chorar apesar das dores. Me apaixono todos os dias, quase sempre pela pessoa errada, amar amei pouco e fui amada por muitos, não sou uma pessoa de fácil convívio apesar da primeira impressão. Não ligo para presentes, mas sou movida a elogios. Gentilezas e educação me conquistam instantaneamente. Prefiro lambidas à mordidas, mas não me provoque... Visite seu blogue.

LUISANDRO

Catarinense de nascimento, Paranaense de coração. Professor, pô(eta!), apaixonado por Dalton Trevisan, Fernando Pessoas, Woddy Allen e é lingüista também só pra variar. Desvive em Florianópolis (infelizmente não na ilha). Só não fugiu com o circo porque a única coisa que saberia fazer é alimentar os animais. Quer publicar um livro e fazer um filho (um dia desses de chuva, quem sabe?). Visite seu blogue.
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