O FOTÓGRAFDO, O PARQUE, O THOMAS E O CLICK
Imagem: Parque - Lúcio Passos
FOTO 1
O fotógrafo entrará no parque. Ainda será dia. As luzes, paraísos artificiais, ainda não estarão acesas. O fotógrafo ainda não chegou ao parque. Enquanto circulará com o automóvel pelos arredores da cidade, lembrará do Thomas. O Thomas, do Antonioni, aquele que topa a parada de um jogo imaginário. A máquina fotográfica estará no banco de trás. Ele lembrará que decidiu ser fotógrafo depois que conheceu o Thomas. Decidiu “ser”, só isso, como se acreditar que a existência pudesse ser decidida fosse possível. Ser é só uma opção ou um campo de possibilidades, não é assim?
FOTO 2
O fotógrafo não dormirá esta noite. Ele não sabia. Quem morre dorme para sempre ou nunca mais dorme? Ele morrerá esta noite, mas ainda não sabe nem como será. Depende do ponto de vista, pensou ele, lembrando do Thomas. Ele poderia ter decidido outra coisa. Poderia ser estilista, já que gostara bem mais das roupas do filme. Poderia virar um músico, já que gostara bem mais das músicas do filme. Não, ele virou um fotógrafo. Ele não morreria mais esta noite. Pelo menos não por vontade própria. Ele não sabe. Talvez mudasse de idéia.
FOTO 3
O fotógrafo ligará para a mãe lá pelas dez da noite. Pedirá a sua benção, mesmo não acreditando em anjos ou demônios. O céu e o inferno é todo mundo. O fotógrafo falará com a sua companheira de quarto antes de ligar para a mãe. Ela pedirá para ele escolher para ela uma das roupas que deve usar para a sessão de fotos. A mãe ou a moça? A moça. Ele pedirá para que ela tire a roupa e ela tirará, só para agradá-lo. Assim ele pensa. Assim ele tira mesmo as fotos. Será?
FOTO 4
Teria sido um parque da cidade, daqueles só com árvores e namoros escondidos e um possível assassinato? Terá sido um parque de diversões. O fotógrafo pensará que as confusões geradas pelas imagens são sempre menores do que aquelas geradas pela palavra. Quem inventou a palavra parque? Ah, essa palavra fantasia.
FOTO5
O fotógrafo chegará ao parque antes do anoitecer. Contará as moedas no bolso, sem, no entanto, tirá-las. Contará para a sua companheira de quarto que contou todas as árvores do parque, ou os bichos do zoológico, ou os assentos da roda-gigante. Quem saberá? Contará tudo e depois nunca mais encostará seus dedos da sua máquina fotográfica. Preferirá a máquina do mundo, ou a máquina de escrever, ou a máquina de pensar. A máquina repensada. Roda moinho, roda peão. O rei da brincadeira é José, o rei da confusão é o João. Desligará o rádio do carro. Enfim ,entrará no parque.
FOTO 6
É no parque que a vida acontece. Enquanto as fábricas funcionam regularmente, assim como nossa máquina corporal, o parque, naquele seu silêncio quase absoluto, contará todas as novidades para o fotógrafo. Preciso inventar uma fantasia para destruir meu tédio. Que tal um assassinato? Eu vou até ele, estrangulo-o, volto para a entrada, entro novamente, deparo-me com um corpo, assusto-me. Tento descobrir quem é o homem, quem é o assassino, o motivo para tal acontecimento e o motivo que me levou até ele. Depois tiro uma foto. Quem sabe forjando minhas próprias imagens, eu não possa abandonar a minha máquina de pensar. Click!
Faz algum tempo que não falo nada de cinema. Resolvi falar porque este filme foi uma descoberta. Enquanto as locadoras e cinemas continuam sendo recheadas por besteiras, ver um filme inteligente sempre agrada. E principalmente um drama inteligente. Se passa na cidade do México assim como poderia ter se passado em qualquer lugar do mundo. Porque o exterior é apenas um lugar geográfico onde as pessoas habitam, nada mais.
Não há uma grande história de amor que será resolvida no final. Pelo contrário. As histórias não resolvem. As tensões iniciais instauram-se e quando pensamos que elas enfim podem ficar pacíficas como as águas depois da tempestade. Não! Logo vemos o mar avolumar-se novamente. Como conseqüência não há personagem principal. A personagem principal é o enredo.
Três histórias. O modo como a vida das pessoas se cruza, e as conseqüências que isso causa (teoria do caos?). Toda ação provoca uma reação (óbvio), e o fio que parece amarrar todos estes deslindes passa pela imagem dos cachorros.
Por que cachorros? Por que a tradução de "perros" para "brutos"? apesar de ser um ser essencialmente doméstico os cachorros ainda são animais. E como tal, o instinto aflora em momentos bem marcados. Como o hotweiller que sobrevive a um tiro, é socorrido pelo assassino de aluguel, e depois de curado mata todos os outros cães do homem que o acolheu e cuidou. A própria arena de briga dos cães é de fato isso. essa nossa necessidade premente de violência, de sangue, de causar dor alheia (mesmo em nível inconsciente).
O jovem apaixonado pela mulher do irmão, e quer fugir com ela, o publicitário infeliz no casamento que larga a esposa para ficar com uma modelo, até que a felicidade rui com o acidente dela, o mercenário que não suporta a saudade da filha, cuja acredita que ele esteja morto.
Talvez seja um filme sobre a busca da felicidade, que não chega sem entrega e sem dor. Talvez nos fale de amores "brutos" mesmo, amores por cães, por pessoas, por dinheiro, por um ideal, por sucesso, por vaidade. É um filme que pode ser sobre tudo isso e mais algumas outras coisas que não devo ter notado. Para mim é um filme autoral. Iñarittu é um dos poucos jovens cineastas que sabem colocar além da sua assinatura seu estilo numa película. É só comparar "21 gramas" e esse "amores" que fica claro a semelhança temática e forma como a narrativa se desenrola e se enrola também. Mas ambos nos fazem pensar e surpreendem.
Luisandro
ps. não consegui postar imagem. encontrei um cartaz muito bom do filme. fazer o quê?