Vou escrever um best-seller. Será uma história de aventura. Pincelada com aspectos históricos. Um romanção de aventura no qual o foco narrativo seja o enredo e não as pessoas. Por mais que eu goste de histórias que falem de pessoas. Mas se a história vem em primeiro lugar fica mais envolvente, afinal, todos querem saber como termina a dita.
Pode ser a história de um casal de jovens que não podem ficar juntos porque as famílias são arquiinimigas. Poderia se passar no vale do Itajaí. Uma família é descendente de italianos e outra de alemães. Os alemães não se demovem da idéia de que se Mussolini tivesse segurado as pontas daquele lado, o final da guerra teria sido outro. Além dos alemães terem ganho uma copa dentro da Itália, agora a Itália inventa de vencer a copa da Alemanha, que despautério! Nunca que o Nono deixaria que sua neta querida casasse com uma draga de chopp, comedor de salcicha, que nem sabe fazer queijo direito. Acharam que era Romeu e Julieta? Catso!
Ou ainda pode ser a história de um jornalista. Na verdade ele não é jornalista. Mas a única coisa que sabia fazer direito era escrever. Pelo menos era o que ele achava. Apesar de continuar trabalhando na empresa de correios e telégrafos, ter tentado o serviço militar, mas desistiu depois que um sargento quis passar a mão na sua bunda. Fugiu antes que ele quisesse passar outra coisa. Já viu o tamanho de uma granada? Como era boêmio e altamente suscetível à promiscuidade deixando-se seduzir facilmente pelos doces cheiros da noite, pelos aromas cítricos das putas, pela suavidade e burrice de algumas ninfetas colegiais foi morar na metrópole. A província já era pequena demais para suas ambições. Não, não é a minha história, poderia ser a história do Henry Miller, do Caio Abreu, Faroeste Caboclo?. Quem não gosta de uma putaria que atire a primeira pedra. (ops! Essa passou perto). Isso! recheada de episódios sensuais. Ele se apaixona por uma meretriz e vive às suas custas durante dois anos. Come todas as amigas dela e no final foge com uma normalista filha de um coronel reformado do exército. Só de vingança.
Pode ser uma história simples. De um homem simples. Tem seu emprego na repartição pública. Preenche relatórios, carimba e assina papéis, envia memorandos, atende as pessoas, resolve problemas do intrincado sistema burocrático estadual. E diz a pessoa que volte amanhã após ter preenchido o formulário correto, todas as três vias, e não esquecer de anexar os documentos fotocopiados e autenticados; Claro! comprovante de residência é imprescindível. Chega em casa, a namorada pergunta se ele quer ir ao cinema. Ele diz que não, ela deveria ter agendado o compromisso com três dias de antecedência. Na Quarta-feira o seu time joga pela série B. Ela fica chateada. Natural. Mas não muito. Porque o namorado dela é assim mesmo. Ele tem um bom emprego, um bom salário, um bom carro, e quando eles casarem vão comprar uma boa casa financiada e serão felizes com seus filhos e objetos de decoração da Havan, panelas de inox da Tramontina e a imensa e barulhente televisão de plasma de 42’. Mas ela ainda não sabe que ele comprou uma mochila de viagem e está economizando para fugir de moto com a estagiária do almoxarifado. No final ele acaba casando com a namorada mesmo. A estagiária fugiu com o chefe do departamento para o Caribe (dizem que ele está sendo processado por desvio de verbas).
Também pensei numa ficção historiográfica sobre o Contestado. O nosso herói é um caboclo que passa pelos principais acontecimentos históricos do Paraná e de Santa Catarina. Conhece o profeta João Maria, fica hospedado na casa dos Marcondes. Luta na Guerra do Contestado. Assiste ao primeiro desastre aéreo militar do Brasil em General Carneiro. Trabalha na Lumber. Vem para Florianópolis e trabalha na construção da Hercílio Luz. E serve o cafezinho no Palácio Cruz e Sousa durante a assinatura do tratado de limites entre os dois estados. Só não entendeu porque dividiram União da Vitória e Porto União em duas cidades. Bom, se Juazeiro e Petrolina são divididas pelo São Francisco, que mal há em dividir duas cidades pelos trilhos do trem? Só que agora não há mais trem e os trilhos são decorativos, onde ainda eles existem. A história pode ser contada pelo próprio personagem, que relembra suas aventuras, como daquela vez em que urinou em uma fonte. Esqueceu de avisar ao Profeta que a água não era boa. Azar o dele, e do povo que depois ficou dizendo que a água era benta.
Depois de escrito o livro, precisaria arrumar um editor. Escrever para os jornais, arrumar contatos na Bravo!, na Cult, uma entrevista no Jô, uma resenha no caderno Mais da Folha, no Rascunho, na Veja. Se der certo, negociar uma adaptação para virar minissérie da Globo, ou filme dirigido pelo Guel Arraes ou Cacá Diegues, com trilha do Caetano e do Lenine. Pronto, daí vou ganhar um bom dinheiro, já vou ter um contrato para pelo menos mais um livro para ser lançado na próxima feira do livro de Paraty, vou ser convidado para noites de autógrafos nas mega-stores das principais livrarias do país, na Fnac, na Saraiva. E se vender bem mesmo, ainda terei traduções para o francês e o inglês. Ficarei amigo de caras como o José Castelo, o Carpinejar ou o Marcelino Freire; este me convidará para juntos montarmos uma produtora cultural. Darei conferências em congressos e universidades, algum jornal vai me oferecer uma coluna semanal e as jovens estudantes de letras me escreverão cartas apaixonadas me convidando para jantar, loucas para conhecer minha biblioteca e minha casa na Praia Brava (ou na Solidão, ainda não decidi).
Nisso o telefone toca. Uma funcionária do Banco do Brasil perguntando se estou ciente do atraso no pagamento da fatura do meu cartão de crédito e quando posso regularizar a situação. Respondo convicto: depois que publicar meu primeiro Best-seller.
Luisandro escreve aqui nas segundas um textáculo (ou textículo) de sexta. Visite seu blogue.
L. M. de Souza 2:14 PM