19.12.2005
(ou fragmentos de um diário que não é escrito diariamente ou notas para um romance auto-ficional-biográfico ou de porque não levar um comercial de cerveja a sério)
Tenho um medo intenso da loucura. A ilusão me persegue por todos os cantos. Não acho que seja apenas essa coisa de sonhar ou pensar mirabolices. Talvez seja mais. Portas que rangem, sustos, gritos, disparos, ônibus caindo em penhasco ou ponte, sempre um carro a fechar o meu. A morte não me assusta. O que procede é o desvelo, a revolta que me assoma. Faz-me isso, ilusão, mitologia, fabulismos. Maia, como se a realidade fosse outra coisa que não aquela que meus olhos vêem. Há sempre um desastre, alguém que corre em minha direção e me dá uma paulada, um tiro na cabeça e tudo se acaba. E nem tenho tempo de dizer que não tenho dinheiro. Não tenho sequer paz.
Hoje li outro Kafka, O Veredicto. Bela história. Mas pouco entendi. Não gosto de livros com notas de editor. Não dá pra não ler os comentários. Isso não me faz pensar. Chego somente às leituras dos caras e não alcanço outras. É uma droga isso. Lendo as fábulas do Herman Hesse (fabulierbuch), sem comentários, a coisa é outra. Ele escreve espantosamente bem. Um domínio absurdo da prosa, do enredo, personagens redondos, claro que cada um com seus dilemas e problemas. Só achei que há muito "deus" nas histórias, muita oração, resignação. Como se o pecado original assombrasse a todos e precisamos purgar isso de algum modo. Para mim isso foi lá com Adão, Eva e a maçã. Hoje, meus problemas são outros, mais terrenos. Deus sabe o que penso Dele, Cristo e tals. As histórias de aventura são fantásticas, prendem o leitor, envolventes.
Voltando a Deus, não preciso convencer ninguém do que penso sobre religião. Faz-me bem pensar diferente. Detesto esses idiotas que querem catequizar o mundo. São uns párias, uns fracassados. Falam tanto na palavra, mas caridade, respeito e trabalho são palavras que não conhecem. Grandes vendedores, isso sim. Não entendo como certos cristianismos conseguem conciliar o deus do antigo, tirano, déspota, com o deus do novo testamento, benevolente, que interfere menos.
Claro que quero ser um gênio também. Escrever alguma coisa que valha a pena ser lida. besteira todos escrevem. Se de cada cem frases minhas, duas forem plausíveis, o mundo está a salvo de menos lixo literário. E o mundo está poluído de lixo literário. Qualquer frase floreada com uma metáfora inusitada é literatura ou filosofia de trocadilho. Entender que diabos é essa coisa de civilização, contemporaneidade, modernidade, é tarefa para louco. Óbvio que toda arte deve ser uma espécie de espelho do seu tempo. Que aponte o que fomos.
Provavelmente eu teria contribuído mais para a humanidade de tivesse me tornado frei, monge, ou algo parecido, me enclausurado em algum monastério. A merda é que eu quero falar dessas coisas. E ser cético é uma das consequências da ação do pensamento, da ação científica e da literatura. Esta precisa duvidar que estejamos de fato vivos, que exista consciência e que a moral seja apenas uma coisa de bons costumes.
Um louco a menos, um gênio a menos ou a mais. Quem ganha quem perde com isso?
Luisandro escreve aqui nas segundas sempre algo de sexta.
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L. M. de Souza 2:08 PM